Família

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quinta-feira, 18 de setembro de 2014

OS DESAFIOS DA BOA COMUNICAÇÃO

Sinceramente, nunca imaginei que um dia estaria aqui falando sobre comunicação. Eu que, por tantas vezes, tentei ajudar algumas pessoas a se comunicar melhor por meio de treinamentos que ministrei. Hoje não pretendo falar de teorias e sim da árdua experiência de me fazer ser entendida diariamente. Tudo que eu falar aqui é baseado na minha experiência de todo o processo de perda da fala.

Primeiro ponto importante, independente do meio utilizado, tanto o emissor quanto o receptor têm que desejar a comunicação. Porque só a vontade de se comunicar propiciará que haja atenção no que está sendo compartilhado. Atenção é o segundo ponto importante. Quando não temos atenção no que fazemos, a possibilidade do erro é muito maior, independente de qual seja a atividade. A atenção no que está sendo transmitido aumenta a possibilidade de compreensão da mensagem. Terceiro ponto importante é paciência para obter a mensagem até o final. Se não tivermos paciência para receber a mensagem até o final, a comunicação será incompleta e, consequentemente, falha.

Apesar de todas as dificuldades, quando utilizamos a fala, a comunicação se torna menos complicada, visto que nossas emoções vêm impressas nela. Quando falamos, há a altura e o tom de voz, além da nossa postura corporal e gestos que facilitam o entendimento da mensagem.

Considerando a sua experiência de vida e tudo que escrevi aqui, imaginem o que uma pessoa como eu, que não fala, não se mexe, possui pouquíssima ou nenhuma expressão facial, mantém sua inteligência, sua lucidez e toda sua experiência de vida viva sofre para ser compreendida?

Tenho a humildade de dizer que ainda estou aprendendo. Afinal, a boa comunicação é um desafio em qualquer situação. E descobri que para cada personalidade, para cada condição social, para cada condição cultural, enfim, para cada pessoa, é necessária uma forma diferente de se comunicar.

A minha jornada para me expressar sem a fala começou com uma pasta de comunicação fornecida por um paciente e aprimorada pela minha terapeuta ocupacional. Confesso que a pasta limitava as minhas possibilidades de fala. Foi quando minha mãe arrumou alguns alfabetos impressos. Escolhi aquele que me pareceu mais fácil. Assim como a pasta de comunicação, ele também foi adequado As  minhas necessidades pela minha terapeuta ocupacional. Surgiu, então, uma nova forma de me comunicar. As pessoas falavam as letras e eu piscava para aquelas que eu queria usar.  Mas eu tinha que persistir, pois a comunicação era lenta e algumas pessoas não tinham paciência de conversar comigo. Caí no abismo do silêncio. Foi muito difícil e triste. Mas eu tinha uma técnica de enfermagem que se esforçava para entender o que eu ainda falava e que me ajudou muito a não entrar em uma depressão profunda. Foi quando eu tive acesso a outro meio de comunicação mais rápido e eficaz.
Eu me considero uma pessoa de sorte e abençoada por Deus, porque tenho um computador adaptado que me permite digitar e acessar a internet somente com os movimentos dos olhos. Esse computador me foi emprestado. Pertencia a outro paciente de ELA, e quando ele faleceu, veio para mim. Quando eu falecer, ele irá para outra pessoa e assim vai. Costumo dizer que esse equipamento é uma extensão do meu corpo. Ele me trouxe de volta à vida quando me possibilitou o acesso às redes sociais e o contato com as pessoas, tanto virtual, quanto presencialmente. Ele me deu voz quando tudo era silêncio. Por isso, tenho tanto apego. Sem ele, sinto-me nua e desprotegida.

Mas como nem tudo são flores, junto com o computador veio o desafio da comunicação escrita. Tardiamente, dei-me conta que a educação brasileira só ensina as pessoas a juntar as letras e repetir as palavras. Não ensina a interpretar o que foi lido. Percebi que, infelizmente, muitas pessoas não entendem o que está escrito. Muito triste. Foi quando eu percebi que a entonação do que falo é dada pela pontuação que uso e que tenho que estar atenta a isso, assim como aqueles que leem o que escrevo. Notei, também, que meu vocabulário tem que ser adequado para cada pessoa e me dei conta que, em alguns casos, a comunicação é inviável, porque todas as vezes há ruídos na mensagem e, consequentemente, muito estresse. Também redescobri o prazer de conversar e compartilhar a vida com aqueles que amo. É aí que vejo como as conversas fluem e que vale a pena eu me esforçar para ter esses momentos de prazer. Simplesmente porque eu me sinto mais feliz em compartilhar.

Eu sou lúcida e me sinto respeitada quando profissionais como nutricionista, fono, fisio ou enfermeira me perguntam o que sinto e discutem comigo as opções de tratamento. Sinto-me viva. Tenho, também, a possibilidade de definir minha rotina e alterá-la quando for importante para mim. Mesmo sem voz, eu consigo ser ouvida e isso me traz paz e segurança de uma sobrevida menos sofrida.

Infelizmente, sei que a compreensão do que sinto muitas vezes é difícil. Mas não me canso de falar, pois aprendi que a repetição é necessária para uma boa comunicação!

Beijo,
Dani