Família

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domingo, 15 de março de 2015

Passeios e o tempo de Brasília

Passei a semana inteira querendo dar uma volta pelas ruas do meu condomínio, mas nunca dava certo. Primeiro por causa da minha rotina. De manhã é o horário do banho, que é demorado por causa da aspiração. Em seguida, tenho meus atendimentos: fisio, fono, terapia ocupacional e psicóloga. Aí vem mais aspiração. Ainda tenho a visita de amigos muito queridos toda semana, fora as visitas ocasionais. Muitas vezes, meu dia é tão cheio que não me sobra tempo para outras atividades.
Acho ótimo!

Normalmente, estou liberada lá pelo final da tarde. Só que choveu a semana inteira nesse horário e nada de passeio. Aí eu acordei ontem, vi um solzinho e pensei: de hoje não passa. Mas sabe o que aconteceu? Faltou luz e eu tive que tomar banho mais tarde. Enfim... Saí do banho as 16h embaixo de trovões. Só virei para Elisangela, minha técnica, e disse: RUA. kkkkkkkkk... eu sabia que ia chover e me colocar na cadeira demora um pouco. Fiquei pronta já eram 17h. Pedi um casaco e fomos para a rua, eu, Fábio, Francisco, Mairlene (cuidadora), Elisangela e meu pai.

Quando estávamos saindo nos encontramos com uma vizinha que ficou muito feliz por me ver na rua. Ela deu alguns passos conosco e foi embora. Continuamos andando distraídos com uma casa bem bonita na esquina. Andamos uns 200 metros até chegarmos ao final da rua. Quando de repente, só escuto um grito: olha a chuva! Quando eu olhei, estava tudo preto.  Aí foi o melhor momento do passeio. Em poucos segundos, a chuva nos pegou. Todo mundo começou a gritar e a rir.

A Elisangela tirou o jaleco e cobriu meu respirador. Foi então que começamos a correr. Com a cadeira em velocidade, eu sentia a brisa e as gotas de chuva no meu rosto. Uma sensação maravilhosa! De repente, senti uma toalha na minha cabeça e não via mais nada. Mas continuava ouvindo as risadas de todos e a voz do meu pai, em desespero, pedindo para que tivessem cuidado comigo. Nesse momento, Elisangela diz: Dani, olha a sua vizinha! Ela tira a toalha da minha cabeça e eu vejo a vizinha correndo em nossa direção com uma florzinha e um enorme guarda chuva na mão. Ri muito na hora. Ela coloca a flor no meu peito e alguém segura o guarda chuva. Muito gentil minha vizinha.

Chegamos em casa agitados e molhados. Meu irmão Fábio fala: se prepara para ouvir uma bronca da mamãe porque ela não queria que você tivesse saído. Bronca? Que nada! Ela estava secando o cabelo e nem percebeu que estava chovendo.

Fui dormir exausta, mas feliz. Fiquei passando as cenas na minha mente e rindo sozinha, agradecida a Deus por ter tido um momento tão simples, tão mágico e tão feliz.

Obrigada.
Beijo.
Dani.

domingo, 8 de março de 2015

Sem Comunicação

Fiquei sem  sem computador por quase 16 dias. Foi um Período bem difícil. Eu usava o computador há um ano e já estava acostumada a ele. Achei que fosse morrer de depressão. Mas como sempre diziam meu pai e o Alkinder, aquilo era uma máquina e podia pifar.Tive que me conformar.

Nos primeiros dias, o som dos meus pensamentos era ensurdecedor. Ele ecoava por cada célula do meu corpo.  Eu queria me expressar e não conseguia, mesmo com o uso do alfabeto. Ninguém me entendia direito e também não tinha muita paciência. Foi aí que descobri que só seria possível consertar o computador, enviando-o para a Suécia. Nesse momento, a conformação veio como desistência de ser compreendida e da vida. Tive medo da depressão. E aí, eu não falava mais. Ficava toda babada, com a toalha molhada, com a baba escorrendo pelas costas e não falava nada. As pessoas vinham aqui e eu só olhava. Teve um momento que o som dos meus pensamentos nem incomodava mais porque simplesmente eu não pensava. Então, meus pais chegaram com a notícia de que iam comprar o sensor de olhos da Tobii para mim. Meu coração se encheu de alegria e esperança. Mas tinha um problema: a semana seguinte seria carnaval. Tudo fechado e a empresa ficava em São Paulo. Tive que segurar a ansiedade. Meu irmão que mora lá comprou um notebook, foi na empresa, instalou os softwares, aprendeu a mexer, pegou um avião e veio para cá. Tudo isso depois do carnaval, claro.

Esse período entre o comunicado da compra e a chegada do computador foi mais tranquilo. Eu sabia que ia ter um fim. Como sempre digo, o que não mata, fortalece. Fui obrigada a aprender com o momento. Entreguei-me de corpo e alma para a minha equipe. Tive que confiar 100%. Passamos por momentos muito difíceis. Vou contar um deles aqui. Ninguém sabe ainda. Só sei que o saldo foi positivo. 

Em uma bela sexta-feira a noite, meu marido saiu para tomar chopp com os amigos. Nesse dia em especial, eu estava muito secretiva e com dificuldade para respirar. Meu xarope tinha acabado. Então, eu disse para a cuidadora ligar para meu marido, avisar que eu estava mal e precisava do xarope.  Sabe o que ela me respondeu? “Você acha que vai conseguir trazer seu marido de volta para casa inventando que está passando mal?” Entrei em choque na hora porque eu estava sozinha com a técnica e a cuidadora, sem computador, e elas achavam que eu estava mentindo. Comecei a chorar de soluçar. Fiquei pensando o porquê disso. Afinal, nunca havia mentido sobre o meu estado de saúde, nem me importado com as saídas do Alkinder, que nem são muitas. Enfim... no final das contas, eu fiquei pior por causa do choro, ninguém verificou meus sinais vitais e o Alkinder mandou a farmácia entregar o xarope. Foi uma experiência horrível.

Apesar desse incidente, o saldo foi positivo e meus dias foram melhores do que eu imaginava. Em função do meu jeito doce e sensível, para não dizer o contrário, todo mundo achou que seria mais difícil. Mas mal sabiam que a minha lista de reclamações estava gigante. Estava só acumulando as coisas na minha mente. Seriam dois dias só de reclamação quando o computador chegasse. Foi quando uma amiga veio me visitar e comentou que eu devia estar remoendo as coisas para explodir depois. Ouvir aquilo foi um tapa na cara porque eu estava justamente fazendo isso. Pensei que chata eu era e resolvi mudar. Afinal, toda a minha equipe estava se esforçando e me tratando muito bem e eu com o foco nas coisas pequenas e no negativo. Quando o computador chegou, não fiz nenhuma reclamação. Ao contrário, eu me dei conta que sem a ajuda e dedicação delas, eu não teria conseguido. Agradeci a elas do fundo do meu coração.

Enfim, sobrevivi aos 16 dias sem comunicação, mas marcas ficaram. A gente se acostuma a tudo, até ao silêncio. E eu desaprendi  a me expressar. Aprendi a não compartilhar. A gente se acostuma a não comentar o que achou da novela ou de uma propaganda legal. A gente se esquece de falar o que acontece com a gente. Triste? não acho. Isso é uma adaptação a realidade. Faz parte do meu processo.

Obrigada, principalmente, aos meus pais e ao Thiago por me devolverem a vida, ao Alkinder pelo suporte do computador, ao Fabio por ficar comigo e ter paciência de usar o alfabeto, aos meus amigos Carol, André, Aline, Lud, Jean, Priscila e Elton que vieram me visitar e me fizeram rir, mesmo sem computador e as minhas técnicas Elisangela e Rosana pela paciência, carinho e dedicação.

Obrigada a você por ler o meu texto.

Beijo.

Dan

quinta-feira, 5 de março de 2015

Qualidade de Vida X O Sistema

O que é qualidade de vida¿ Acho que todos concordamos que é uma coisa boa.  Eu percebo que muita gente associa o termo a algo além, como se qualidade de vida tivesse que ser extraordinária. Só que para mim, é algo simples como viver bem com o que se tem. Mas vai além disso.

Hoje eu me encontro em uma situação que fez com que eu mudasse muitos conceitos e valores.  Qualidade de vida foi um conceito que se modificou e tem outro peso em minha vida. Ter o básico para viver e ser respeitada apesar da minha condição física  tornaram-se fundamental.

Por isso, sou grata a Deus por ter pessoas, equipamentos e materiais que atendem minhas necessidades básicas. Só que, infelizmente, eu não sei ser meio termo, sou 8 ou 80 e quero mais. Primeiro e acima de tudo, eu quero ser vista como uma pessoa normal. Eu sou igual a você. Meu cognitivo é totalmente preservado. Segundo, eu quero ser respeitadas nas minhas vontades e negações, assim como você é.  Terceiro e, não menos importante, eu quero ter o direito de escolher o que é melhor para mim, mesmo que eu me lasque ou me arrependa depois, justamente como você faz. Isso é viver. Sinceramente, não acho que eu esteja pedindo muito. Insisto, eu sou igual a você.

Concordo que é difícil me ver como uma pessoa normal. Nossa sociedade não incentiva isso. Entretanto, é preciso treinar o nosso olhar. Para você ter ideia, tem gente que vem a minha casa e não vem ao meu quarto me cumprimentar, como se eu fosse uma moribunda. Bom, o que a qualidade de vida, pelo menos a minha, tem a ver com o sistema? Como disse sabiamente a Sandra Mota, na ELA, nós buscamos a estabilidade. Para nós, não perder é um ganho. Eu não tenho nenhuma expectativa de reabilitação, mas quero manter o que tenho o máximo de tempo. Isso é qualidade de vida. Para que isso seja possível, eu tenho uma equipe de profissionais que me atende. É aí que entra o sistema.  Na minha mente perturbada, eu acredito que um profissional de home care tem que ser diferenciado em relação a outras áreas da saúde, a começar pelo seu olhar em relação ao paciente. Afinal, poucos são os casos de reabilitação.

Estou enrolando, na verdade me contextualizando, porque quero contar algo que está acontecendo comigo e me deixando indignada. Meu fonoaudiólogo mudou. A que estava comigo há mais de um ano saiu por causa da rota. Entrou um novo  faz umas três semanas. Um belo dia, uma das técnicas conta para ele que eu tomava água, chupava pirulito e tomava caldo de feijão ou de carne todos os dias. Foi então que ele entrou no meu quarto e sem perguntar ou falar algo comigo, disse que eu estava proibida de ingerir qualquer coisa pela boca por causa do risco de broncoaspiração e, ainda disse, em um tom impositor, que não estava aqui  para reabilitar nada em mim. 

Entrei em estado de choque na hora. Primeiro, porque eu não sou retardada. O risco de broncoaspirar existe há mais de um ano quando fiz minha gtt. Segundo, ele fez terrorismo com as técnicas que trabalham aqui e elas se recusam a me dar qualquer coisa. Terceiro, ele não se preocupou em saber como o procedimento era realizado. Por último, eu melhor do que ninguém sei do que sou capaz e até onde posso ir.

O que eu esperava de um bom profissional¿ Que identificasse como o procedimento era realizado e me oferecesse soluções para que eu continuasse com a ingestão de líquidos da maneira mais segura possível. Eu não estou pedindo dois litros de água ou 500ml de caldo. Estou falando de 40ml de água ao longo do dia e de quatro ou cinco colheres de chá de caldo. Vocês não imaginam a luta interna, solitária e invisível aos olhos dos outros que travo diariamente para ter coragem de levantar da minha cama e fazer o que tenho que fazer. Como é difícil decidir tomar um caldo e me esforçar para isso, sabendo do risco da broncoaspiração.  Como é difícil optar pela vida quando a morte é bem mais fácil. O valor de sentir um gosto e ter um pequeno prazer quando você não tem nada. Para vir alguém e tirar tudo de você.

Vi um vídeo de um senhor com ELA, sem deglutição, tomando café porque gostava. Como ele fazia¿ A técnica de enfermagem jogava o café na boca dele e em seguida aspirava. Ele não engolia o café, mas tinha o prazer de sentir o gosto. Se eu não tenho profissionais que me ofertem essas soluções, eu quero pelo menos ter a liberdade de orientar as técnicas que trabalham comigo a fazerem coisas que me proporcionem prazer com segurança.

Como eu tomo água ou qualquer outro líquido com segurança? Eu peço para ser aspirada, minha cabeça é posicionada para frente. Quando o líquido é colocado na boca, eu o seguro e espero ele se misturar com a saliva e engulo. Uma parte desce e outra escorre, afinal eu tenho a limitação. Mas pelo menos, eu sinto o gosto. Ao final, peço para ser aspirada novamente.

Veja bem, não estou questionando o que o fono disse. Ele está certo. Questiono a postura dele, principalmente a de fazer terrorismo com minhas técnicas, impedindo-as de me dar qualquer coisa e de não me ofertar soluções que mantenham minha qualidade de vida. Além disso, em todas as sessões, ele quer massagear minha laringe, erguendo a cabeça para trás. Eu me negava a fazer o exercício e ele queria me obrigar. Toda vez, eu falo que a cabeça para trás aumenta o risco de broncoaspiraão e ele me ignora. Por que o risco aumenta? Essa posição deixa as vias aéreas abertas e faz com que toda saliva da minha boca, que é muita,  se acumule no fundo da garganta. Isso impede a passagem do ar e como tenho dificuldade para engolir, a saliva pode ir para o pulmão. Risco maior que ingerir qualquer coisa. Pois com a cabeça para trás, meu pulmão fica totalmente vulnerável.

Independente de qualquer coisa, nenhum profissional pode impor conduta ou tratamento sem a anuência do paciente ou da família. Ele deve sim dar o seu parecer técnico e, então, conversar com o paciente e sua família sobre as possibilidades. É muito difícil ir contra o sistema. Eu luto,e meesforço em ter mais qualidade de vida, só que sempre tem alguém me puxando para baixo. Dureza!só que eu não vou desistir.

Desculpem-me, mas eu me recuso a ser apenas um número de estatística. Eu insisto! Eu sou um ser humano que, como qualquer outro, merece ser visto e respeitado como tal. Essa é a minha luta! Conto com sua ajuda. Mude de atitude. Divulgue o meu texto.

Obrigada.

Beijo,
Dani.