Família

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quinta-feira, 5 de março de 2015

Qualidade de Vida X O Sistema

O que é qualidade de vida¿ Acho que todos concordamos que é uma coisa boa.  Eu percebo que muita gente associa o termo a algo além, como se qualidade de vida tivesse que ser extraordinária. Só que para mim, é algo simples como viver bem com o que se tem. Mas vai além disso.

Hoje eu me encontro em uma situação que fez com que eu mudasse muitos conceitos e valores.  Qualidade de vida foi um conceito que se modificou e tem outro peso em minha vida. Ter o básico para viver e ser respeitada apesar da minha condição física  tornaram-se fundamental.

Por isso, sou grata a Deus por ter pessoas, equipamentos e materiais que atendem minhas necessidades básicas. Só que, infelizmente, eu não sei ser meio termo, sou 8 ou 80 e quero mais. Primeiro e acima de tudo, eu quero ser vista como uma pessoa normal. Eu sou igual a você. Meu cognitivo é totalmente preservado. Segundo, eu quero ser respeitadas nas minhas vontades e negações, assim como você é.  Terceiro e, não menos importante, eu quero ter o direito de escolher o que é melhor para mim, mesmo que eu me lasque ou me arrependa depois, justamente como você faz. Isso é viver. Sinceramente, não acho que eu esteja pedindo muito. Insisto, eu sou igual a você.

Concordo que é difícil me ver como uma pessoa normal. Nossa sociedade não incentiva isso. Entretanto, é preciso treinar o nosso olhar. Para você ter ideia, tem gente que vem a minha casa e não vem ao meu quarto me cumprimentar, como se eu fosse uma moribunda. Bom, o que a qualidade de vida, pelo menos a minha, tem a ver com o sistema? Como disse sabiamente a Sandra Mota, na ELA, nós buscamos a estabilidade. Para nós, não perder é um ganho. Eu não tenho nenhuma expectativa de reabilitação, mas quero manter o que tenho o máximo de tempo. Isso é qualidade de vida. Para que isso seja possível, eu tenho uma equipe de profissionais que me atende. É aí que entra o sistema.  Na minha mente perturbada, eu acredito que um profissional de home care tem que ser diferenciado em relação a outras áreas da saúde, a começar pelo seu olhar em relação ao paciente. Afinal, poucos são os casos de reabilitação.

Estou enrolando, na verdade me contextualizando, porque quero contar algo que está acontecendo comigo e me deixando indignada. Meu fonoaudiólogo mudou. A que estava comigo há mais de um ano saiu por causa da rota. Entrou um novo  faz umas três semanas. Um belo dia, uma das técnicas conta para ele que eu tomava água, chupava pirulito e tomava caldo de feijão ou de carne todos os dias. Foi então que ele entrou no meu quarto e sem perguntar ou falar algo comigo, disse que eu estava proibida de ingerir qualquer coisa pela boca por causa do risco de broncoaspiração e, ainda disse, em um tom impositor, que não estava aqui  para reabilitar nada em mim. 

Entrei em estado de choque na hora. Primeiro, porque eu não sou retardada. O risco de broncoaspirar existe há mais de um ano quando fiz minha gtt. Segundo, ele fez terrorismo com as técnicas que trabalham aqui e elas se recusam a me dar qualquer coisa. Terceiro, ele não se preocupou em saber como o procedimento era realizado. Por último, eu melhor do que ninguém sei do que sou capaz e até onde posso ir.

O que eu esperava de um bom profissional¿ Que identificasse como o procedimento era realizado e me oferecesse soluções para que eu continuasse com a ingestão de líquidos da maneira mais segura possível. Eu não estou pedindo dois litros de água ou 500ml de caldo. Estou falando de 40ml de água ao longo do dia e de quatro ou cinco colheres de chá de caldo. Vocês não imaginam a luta interna, solitária e invisível aos olhos dos outros que travo diariamente para ter coragem de levantar da minha cama e fazer o que tenho que fazer. Como é difícil decidir tomar um caldo e me esforçar para isso, sabendo do risco da broncoaspiração.  Como é difícil optar pela vida quando a morte é bem mais fácil. O valor de sentir um gosto e ter um pequeno prazer quando você não tem nada. Para vir alguém e tirar tudo de você.

Vi um vídeo de um senhor com ELA, sem deglutição, tomando café porque gostava. Como ele fazia¿ A técnica de enfermagem jogava o café na boca dele e em seguida aspirava. Ele não engolia o café, mas tinha o prazer de sentir o gosto. Se eu não tenho profissionais que me ofertem essas soluções, eu quero pelo menos ter a liberdade de orientar as técnicas que trabalham comigo a fazerem coisas que me proporcionem prazer com segurança.

Como eu tomo água ou qualquer outro líquido com segurança? Eu peço para ser aspirada, minha cabeça é posicionada para frente. Quando o líquido é colocado na boca, eu o seguro e espero ele se misturar com a saliva e engulo. Uma parte desce e outra escorre, afinal eu tenho a limitação. Mas pelo menos, eu sinto o gosto. Ao final, peço para ser aspirada novamente.

Veja bem, não estou questionando o que o fono disse. Ele está certo. Questiono a postura dele, principalmente a de fazer terrorismo com minhas técnicas, impedindo-as de me dar qualquer coisa e de não me ofertar soluções que mantenham minha qualidade de vida. Além disso, em todas as sessões, ele quer massagear minha laringe, erguendo a cabeça para trás. Eu me negava a fazer o exercício e ele queria me obrigar. Toda vez, eu falo que a cabeça para trás aumenta o risco de broncoaspiraão e ele me ignora. Por que o risco aumenta? Essa posição deixa as vias aéreas abertas e faz com que toda saliva da minha boca, que é muita,  se acumule no fundo da garganta. Isso impede a passagem do ar e como tenho dificuldade para engolir, a saliva pode ir para o pulmão. Risco maior que ingerir qualquer coisa. Pois com a cabeça para trás, meu pulmão fica totalmente vulnerável.

Independente de qualquer coisa, nenhum profissional pode impor conduta ou tratamento sem a anuência do paciente ou da família. Ele deve sim dar o seu parecer técnico e, então, conversar com o paciente e sua família sobre as possibilidades. É muito difícil ir contra o sistema. Eu luto,e meesforço em ter mais qualidade de vida, só que sempre tem alguém me puxando para baixo. Dureza!só que eu não vou desistir.

Desculpem-me, mas eu me recuso a ser apenas um número de estatística. Eu insisto! Eu sou um ser humano que, como qualquer outro, merece ser visto e respeitado como tal. Essa é a minha luta! Conto com sua ajuda. Mude de atitude. Divulgue o meu texto.

Obrigada.

Beijo,
Dani.

10 comentários:

  1. Verdade Verdade Danielle Nepomuceno!! Seu texto está perfeito como você escreve bem!!!!!Serve para qualquer tipo de profissional,mas principalmente para os que lidam com pessoas!!!Beijão

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  2. Obrigada, lindo texto!!! Compartilhado!!! Agradeço pois a gente as vezes só quer cuidar do nosso familiar que amamos e esquecemos dos pequenos prazeres.

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  3. Obrigada Dani! Seus textos sempre me ensinam e fazem refletir. Sinta-se abraçada.
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  4. Obrigada por compartilhar esses momentos, seus textos me fazem refletir bastante. Abraço.

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  5. Parabéns Dani. Vc continua batalhadora e procura ser melhor. Sempre com solução para tudo. PARABÉNS. BJS.

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  6. Conteste sempre! É o seu direito. E, apesar de o profissional saber o que faz, afinal estudou para isso, o paciente é quem sabe o melhor para si porque conhece seu corpo e seu organismo. O bom profissional deveria ter humildade suficiente para saber ouvir e observar o paciente. bjs Dani

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  7. Parabenspelos seus textos e pelo seu blog Dani! Você é e sempre será uma vencedora! Sua perceverança serve de inspiração a mim e a qualquer outra pessoa! Deus te ilumine e te guie hoje e sempre! A você e à sua família!
    Beijãoo
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  8. Obrigada por seu texto ! Sou fonoaudióloga e suas publicações me orientam a ser uma profissional melhor !

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