Família

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quinta-feira, 30 de julho de 2015

Ser eu X ser doente

Eu lutei lutei, lutei, luto, luto, luto para ser eu apesar da doença. Mas é difícil. Até profissionais que se dizem experientes, que dizem que já tiveram tudo que é tipo de paciente têm dificuldade de me ver como um ser humano e de me respeitar como tal.

No filme "Para sempre, Alice", da professora com alzheimer (Julianne Moore), o que mais me chamou atenção, foi o esforço dela de se manter ela e de se manter sã, apesar do progresso da doença. Ela se esforça tanto que programa seu suicídio para quando estivesse fora de si. O suicídio não aconteceu, mas achei a cena chocante. Lá pelo final do filme, quando já está tomada pela doença, ela e o marido vão a uma sorveteria de sempre. Ele pergunta a ela: "Você ainda gostaria de estar aqui?" Ela responde: "Claro, ainda não terminei o meu sorvete." Nem preciso dizer que nesse momento eu fui as lágrimas. Na verdade, o marido queria saber se ela ainda queria estar viva e entre eles apesar da doença. E ela, que já tinha sido tão intelectualizada, não compreendeu a pergunta.

E você, ainda, gostaria de estar aqui? Quem faz essa pergunta, agora, sou eu.

Essa pergunta ficou martelando na minha cabeça por semanas. Sim, eu ainda gostaria de estar aqui, mas só enquanto eu for eu e não desistir de lutar por isso. Eu ainda gostaria de estar aqui, mas só enquanto eu tiver qualidade de vida, mesmo que isso represente menos tempo de vida. Apesar de extenuante, eu ainda acredito em mim e no meu potencial. Por isso, ainda, me mantenho firme no meu propósito. Se fosse pelo outro, eu já teria desistido há tempos. Poucas são as pessoas e, principalmente, os profissionais de saúde que me surpreendem quando se trata de respeitar um próximo, como eu, que só mexe o olhos mas permanece com o cognitivo intacto.

Sabe por que isso acontece? Porque a grande maioria das pessoas querem impor sua vontade sobre os demais, se aproveitando da fragilidade dos doentes. É o tal do poder. E aí, um paciente consciente atrapalha esse exercício do poder, pois ele pode pedir socorro. Bom, felizmente ou infelizmente, eu não sou a Alice do filme. O dia que eu me perder de mim mesma, eu vou saber disso e, aí, já era porque nada fará sentido para mim.

Recentemente, eu quase me perdi. Agradeço a Deus por isso, pois apesar de ter sido um momento difícil, quase irrecuperável, foi ele que me salvou. A minha maior queda foi minha salvação porque me deu coragem de dar um basta.

Em um momento em que eu estava fazendo o cough assist, uma pessoa falou para mim: "se conforma, Danielle, você não controla mais nada". O pior não foi o que ouvi, foi o olhar da pessoa que me falou isso. Nunca vou esquecê-lo. Um olhar frio e desacreditado. Foi quando eu entendi tudo. Fiquei catatônica por uns 20 minutos talvez. Quando fui voltando a mim, as lágrimas foram escorrendo lentamente e eu fui me lembrando da Alexandra Szafir, do Dr. Vanderlei Lima, do Jorge Mello, do José Leda e de outros portadores de ELA, que possuem tantos projetos de vida e a mesma doença que a minha. Foi quando eu pensei por que eles podem e eu não? O que eles têm que eu não tenho? As respostas a essas duas perguntas me salvaram.

Quem sabe um dia eu possa contar as respostas. Por enquanto, não é possível. Mas posso compartilhar meu aprendizado com tudo isso. As adversidades podem ser boas, até determinado limite, para não se tornar abuso. Temos que aprender a entendê-las e aceitar ou acreditar que não merecemos isso. E então, ter coragem de mudar. Se eu, que sou vista como moribunda por muita gente, consegui, você também consegue.

Força, fé e coragem!

Obrigada.
Dani.


14 comentários:

  1. Me bateu forte seu depoimento de hoje....!!! Um tapa na minha cara... Pois estava pensando em desistir. Agora, não mais!! Grata, Dani, você ensina muito e tem muito mais a nos mostrar... Beijos!!

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  2. Te admiro muito Dani, por sua luta pela vida e incentivo a outros doentes. e gosto mais quando você desafia pessoas com olhar frio e insensível. Parabéns pelos textos!!!! Bjos

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  3. Menina,seu corpo está frágil ,mas seu Espirito está repleto de Bençãos Divina.
    Creia nisto.Um beijo de Luz.Maelene

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  4. Menina,seu corpo está frágil ,mas seu Espirito está repleto de Bençãos Divina.
    Creia nisto.Um beijo de Luz.Maelene

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  5. Dani tava com sds de seus depoimentos...vc ê extrenamente verdadeira e ama a vida nas suas mais diferentes formas e simplicidade! !!
    Viva Dani!😘

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  6. Dani tava com sds de seus depoimentos...vc ê extrenamente verdadeira e ama a vida nas suas mais diferentes formas e simplicidade! !!
    Viva Dani!😘

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  7. Obrigada! Cuido da minha mãe com ELA e precisava ler isso. Namastê

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  8. Lindas palavras e cheias de verdade.
    Lutamos com meu pai contra a mesma doença.
    Muita força p/ vc e sua família!

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  9. obrigada por vc existir e me encorajar com suas lindas palavras!

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  10. Este comentário foi removido pelo autor.

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  11. Vc me surpreende tanto... Vc é milagre Dani! Obrigada pela lição de tudo!!!!

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  12. Dani,com certeza vc não perderá jamais sua identidade, até porque sua parte mental estará sempre preservada diferentemente da Alice na qual a doença compromete essa função. Infelizmente pessoas despreparadas em todos os sentidos, imaginam a doença da maneira de como a percebem, e não pelo conhecimento que deveria ter dela.
    Sua essência mental e espiritual jamais se perderam de vc, tenha convicção disso.
    Bjus.

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  13. Dani, não tive o privilégio AINDA de te conhecer pessoalmente, mas te acompanho por aqui e por sua prima Luciane que é uma grande amiga minha. Vc é um ser surpreendente, meu Deus que lindo depoimento de FÉ FORÇA CORAGEM!!! Muito obrigada por vc existir e partilhar com a gente ensinamentos tão importantes!!! Tudo de bom sempre!!! Deus te abençoe e te mantenha com essa lucidez encantadora!! Um beijo, Rosana

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  14. Obrigada obrigada obrigada, Dani por sua mensagem tão intensa, tão cheia de força e coragem. Parabéns pela forma incrível com que você lida com suas adversidades e pela bravura de enfrentar suas lutas. Obrigada por dividir tudo isso. Você é show de bola. Um grande beijo

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